"Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim." – Jo 15.18
“E estava próxima a páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. E achou no templo os que vendiam bois, e ovelhas, e pombos, e os cambiadores assentados. E tendo feito um azorrague de cordéis, lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas; e espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas; E disse aos que vendiam pombos: Tirai daqui estes, e não façais da casa de meu Pai casa de venda. E os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devorará. Responderam, pois, os judeus, e disseram-lhe: Que sinal nos mostras para fazeres isto? Jesus respondeu, e disse-lhes: Derribai este templo, e em três dias o levantarei. Disseram, pois, os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias? Mas ele falava do templo do seu corpo.” – Jo 2.13-21
“E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade. E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita.” 2 Pe 2.1-3
Enquanto escrevo esse artigo, ouço ao fundo a voz do Pr. Morris Cerullo, na reapresentação do infeliz programa do Pr. Silas Malafaia da semana passada. De qualquer forma, o tal programa também está inserido no assunto desse tópico. Então vamos.
Já está em ampla divulgação a realização de mais uma Expocristã em São Paulo nos dias 8 a 13 de setembro, no Expo Center Norte. Para quem não conhece, a Expocristã é uma espécie de shopping evangélico temporário, onde as várias empresas ligadas ao público gospel expõem seus produtos (livros, cd’s, dvd’s, pregações, mobiliário de igreja, locais para acampamentos e retiros, roupas, alimentos, etc) para um público ávido por novidades.
É realmente um passeio divertido, porém oneroso. Anda-se horas por entre os corredores, visitando cada stand e conhecendo seus produtos. Há salas específicas com shows gospel e pregações, porém a praça de alimentação sempre fica muito aquém da quantidade de visitantes (fora os preços ultra-mega-super abusivos, tipo uma garrafinha de água de 350ml custar 2, 3 reais), obrigando os esfomeados a ficarem em longas filas e a comer em pé, pois as poucas mesas são disputadas no “tapa cristão”, ou seja, viu que esvaziou, saia correndo antes que outro crente chegue. Mas é compreensível isso, se deixarem mais espaço para o conforto dos visitantes, faltará espaço para a venda de mais stands, e como no mundo secular, a Expocristã visa o lucro de seus participantes, porém sob a singela aura de busca da evangelização através dos produtos vendidos. Além do mais, se houver lugar para os crentes ficarem sentadinhos descansando, não andarão pela feira e assim deixarão de adquirir todos aqueles produtos imprescindíveis para o seu crescimento espiritual.
São muitas novidades. Produtos para todas e quaisquer situações e pessoas, para crianças, jovens, adultos, idosos; para novos e velhos convertidos; para os dos costumes e os crentes fashion; porém, em qualquer categoria, é necessário estar com a carteira razoavelmente cheia antes de adentrar o tal recinto, sob pena de frustração eterna (ou até a próxima edição do evento). Só a entrada custa R$ 7,00, mais as despesas mínimas com alimentação (umas duas garrafinhas de água já dariam uns R$ 6,00) e as eventuais comprinhas (pois não dá para sair sem levar nada, já que tudo é maravilhoso). Mas vejam bem, parte do valor das entradas será revertido para obras assistenciais que estarão expondo na feira! Se bem que os empresários não-cristãos também fazem isso para dar a impressão de responsabilidade social, algo bastante valorizado hoje em dia.
O pior momento do passeio gospel é enfrentar a fila de entrada. Se você não for de pastor para cima (que tem direito a entrar direto), será obrigado(a) a ficar um longo tempo na fila mais do que quilométrica. Se há pretensão de chegar no início do dia, aconselho a chegar pelo menos uma hora antes da abertura (acho que já dá para ter idéia das filas). Isso mostra que há bastante prosperidade no mundinho gospel paulista, ou pelo menos que se faz das tripas coração para se participar de um evento tão importante para o crescimento da espiritualidade cristã.
A hora da fila é bastante elucidativa. Há dois anos atrás, quando fui pela última vez, eu e meu marido chegamos faltando uns 40 minutos para abrir a exposição e mesmo assim já estávamos razoavelmente distantes da entrada. Na fila houve quem tentasse “furá-la”, e foi emocionante ver a demonstração de “paz e amor” dos irmãozinhos que impediram que tal acontecesse. Nessa hora, percebe-se que a santidade de quem tentou furar e de quem repreendeu de forma duvidosa ficou lá na igreja, e só será reencontrada no próximo culto. Mas tudo isso é compreensível, lá ninguém vai buscando santidade, mas satisfazer seus mais profundos desejos consumistas espirituais. E como consumismo (mesmo espiritual) é coisa da carne, e a carne é fraca…
Na Expocristã você estará num paraíso na terra. Não verá doentes, órfãos, viúvas, drogados, prostituídos, miseráveis. Verá um desfile de olhares blasé, idêntico ao que ocorre nos shoppings da vida. As pessoas passam mas não se olham, olham para o que importa, que são as vitrines dos stands. Os vendedores agem como vendedores normais, exceto pelo “a paz do Senhor” recorrente. Realmente é um paraíso, num ambiente que mistura tudo aquilo que a teologia da prosperidade e cia. nos ensinaram nesses anos todos: a conquista material e, de quebra, a espiritual também. Afinal, o importante é ter para esbanjar, pobreza é coisa do diabo não é?
Para espantar a pobreza, o negócio é fazer um bom negócio (perdão pelo pobre trocadilho). No link “opções de patrocínio” do site diz:
A EXPOCRISTÃ é uma oportunidade única de investimento. Conheça as opções para você expor sua marca para um público altamente qualificado e formador de opinião. 011.4411-1600
Fico imaginando se Jesus voltasse no início de setembro. Será que Ele aproveitaria de Sua posição hierárquica VIP e furaria a fila quilométrica? Uma vez lá dentro, será que Ele usaria de Seus poderes para fazer aparecer dinheiro suficiente para Suas comprinhas espirituais? Será que estaria feliz ao ver tantos crentes juntos, todos buscando saciar seus desejos consumistas não tratados pela teologia espúria que lhes fora apresentada? Será que assistiria com júbilo cantores e cantoras gospel O adorando e sendo adorados(as) pelos fãs? Será que ficaria emocionado com o discurso dos pregadores presentes, buscando o crescimento financeiro da igreja através do crescimento numérico dos membros (afinal, para isso é que serve o Ide)? Será que estaria de acordo com o enriquecimento dos empresários ditos cristãos, que oferecem seus produtos não com a intenção de evangelizar, mas de lucrar através da fidelidade de um público que não deve comprar os mesmos produtos de não-cristãos, pois estariam ajudando indiretamente às trevas?
Ou será que Jesus, assim como fez no templo, não pegaria seu azorrague e sairia chicoteando a tudo e a todos, que no templo babilônico expocristão comercializam o Sagrado almejando apenas o lucro próprio e o empobrecimento das demais ovelhinhas?
Não sou contra a compra de produtos cristãos. Aliás compro muitos livros e alguns cd’s. A Bíblia temos que comprar também. Porém não dá para se conformar com roupinha gospel, água mineral gospel, sabonete gospel, macarrão instantâneo gospel. Não dá para se conformar com o status de estrela de alguns pregadores e bandas evangélicas. Não conseguimos entender como Jesus pediu ao jovem rico que vendesse todos os seus bens e os desse entre os pobres, porém que hoje devemos fazer o caminho contrário, ficando ricos pisando nos pobres e pior, usando para isso do nome do Senhor como estratégia de marketing. Mesmo os mercados literário e fonográfico gospel brasileiro poderiam rever suas altas margens de lucro e vender seus produtos a preços mais acessíveis, mais “cristãos”. É possível ter lucros e vender por menos. O Prof. Dr. Milton Schwantes, uma sumidade, está vendendo seus livros por menos de R$ 10,00 no site da UMESP, porém qualquer livrinho de ficção gospel é vendido por R$30,00, R$ 35,00. Alguma coisa está errada aqui.
É provável que Jesus não volte nesse setembro, pois falta o cumprimento de algumas profecias apocalípticas. Porém, que Ele levante azorragues que estejam nesse evento e em outros tantos semelhantes nesse Brasil e mundo afora, tirando a corrupção e o comércio da casa do Pai. Hoje nós somos Seus templos, porém contaminados pelo consumismo exarcebado, que nos cega, levando-nos a buscar teologias que visem legitimar nosso pecado, chegando-nos cada vez mais a Mamon.
É isso aí. A Expocristã é mais um templo de adoração a Mamon.