Criança-esperança: de quem?

“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.” – Tg 2.14-17

Estou na internet, e ao fundo a Sandy canta uma musiquinha de bailarina. É o Criança-Esperança da Globo, aquele programa bonitinho, que em tese visa arrecadar fundos para ajudar instituições que cuidam de crianças e adolescentes.

Mas, cadê os evangélicos nisso?

Infelizmente, como sempre interpretamos mal a Bíblia. Como a salvação não vem por obras, sendo dom de Deus, nós nos achamos indiferentes às crianças, aos adolescentes, aos pobres, às viúvas, aos sofredores. Assistindo de longe ao programa da Globo, sinceramente me lembro de muitos congressos e seminários gospel dos quais já participei: lindas canções, danças bem feitas, palavras bonitas, boa iluminação e efeitos cênicos. Um paraíso na terra durante a realização do evento. Nenhum pobre, humilde, miserável, afinal todos são vencedores em Cristo!

Mas, saindo dos congressos e seminários santos, damos de cara com mendigos, crianças cheirando cola, mulheres e travestis se prostituindo. “Que Deus os abençoe”, oramos em silêncio. E continuamos nossa caminhada, afinal fomos muito impactados durante o evento, Deus falou conosco e isso é o que vale, mesmo que essa sensação dure apenas um dia e, no seguinte, voltemos – como sempre! – ao nosso velho homem.

Escrevo esse artigo com os olhos embargados pensando que, no mesmo instante em que nos deliciamos com o Criança-Esperança, milhões de pessoas no mundo não têm sequer o que comer ou beber (e eu me dando o privilégio de tomar uma cervejinha e me saciar com o bifão que meu marido está fazendo nesse momento, cujo aroma está chegando aqui). Estou lendo “O Mundo Pós-Americano”, de Fareed Zakaria, onde diz que a Índia ocupava o 128o. lugar (entre 177) no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. O índice de alfabetização feminina, na época do lançamento do livro (2008) era de 48%. Mesmo assim, é um dos países que mais tem crescido economicamente, muito por conta da prestação de serviços e de sua colonização inglesa, que lhe permitiu acesso à língua do poder. A Índia que vemos na novela das oito é a dos bem-sucedidos, dos que estão crescendo, mas para isso há milhões de miseráveis.

Da mesma forma o Brasil. Vivo na capital econômica, São Paulo, onde há favelas, cortiços, mas há cidadãos de classe média, que têm suas contas, mas têm seus pequenos confortos também. Isso nos impede de olhar mais fixamente para os meninos e meninas que sobrevivem nas ruas, até porque não nos achamos capazes de ajuda-los. Mas a Igreja não seria capaz?

As igrejas não se apercebem, mas estão replicando em seu meio a crueldade do neoliberalismo, ao cometer concentração de renda (para os líderes), em detrimento da população fiel em geral. O pior capitalismo está nas igrejas, não na “mão invisível” do mercado, pois essa última, pelo menos, assume o que faz, ao contrário das igrejas, que acumula bens dizendo que é para Deus, quando quem realmente os usufrui são os poderosos de seu meio. Assim como os países do BRIC’s (Brasil, Rússia, China e Índia) estão crescendo e prosperando em meio à pobreza de suas populações, as igrejas também prosperam em meio à miséria de seu povo e da comunidade ao seu redor. Um exemplo próximo de mim é a grandiosidade do templo-sede da Deus é Amor, em meio à total miséria e abandono que é a região do Glicério, um dos piores bairros centrais de São Paulo. Infelizmente, para as igrejas, é mais importante ostentar suas próprias riquezas do que dividi-las com os mais pobres. Jesus, se viesse hoje, encontraria vários jovens ricos, que fazem a obra de Deus, mas que são incapazes de vender seus bens, doa-los aos pobres e SEGUI-LO.

Se as igrejas buscassem arrecadar fundos para os menos favorecidos com metade da ânsia com que arrecadam fundos para si mesmas, a realidade do Brasil seria outra. Não seria necessário uma emissora pagã, ou mesmo instituições maçons realizarem atos de caridade, pois a multidão que frequenta as igrejas mudaria as realidades ao seu redor. Jesus veio para os pequeninos, os pobres, os doentes, as viúvas, mas a igreja vem para os vitoriosos financeiramente. É muito fácil cuidar de um rebanho sem problemas, e ainda ganhar com isso.

Desculpem-me por essa postagem, é apenas um lamento de alguém que tem muitos sonhos, mas que não tem coragem ou forças para realiza-los sozinha. Desculpe-me Deus, se sonho em fazer mais do que o Senhor me capacitou a fazer, e por ter perdido tantas oportunidades que o Senhor me deu de efetivamente fazer.

Que um dia as igrejas possam dar esperança às nossas crianças, ser realmente sal e luz, em nome de Jesus.